Perdidamente

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"Ser Poeta é ser mais alto..."


e foi assim. Foi no primeiro acorde desta música de Luís Represas, emprestada pelas palavras de Florbela Espanca, que me caiu a primeira de muitas lágrimas. Bastou o primeiro coro de notas desafinadas para me estremecer e sentir pulsar o sangue nas veias. Os versos que tomavam conta mim eram a multidão ali, em Sintra, na mágica esfera de memória...lá trás escondia-se Mãe Tília, assustada com aquelas gentes que não costumam ser tantas, à procura de um cantinho só dela. Mas quando as notas se desabrocharam dos lábios até então murchos, ela espreitou, olhou para o mundo. Éramos todos nós e a música, as palavras que se imprimiam em nós, em mim. Eu chorei. E pensei na minha importância no meio daquilo tudo, e chorei por aceitar que aquela música também pudesse ser para mim. E era, era. E estava feliz. Chorei pela felicidade do momento efémero que passava, e por saber que por ser efémero, era aquilo; simples. E ri, eu ri com ele, brinquei com ele como não o fazia à muito, dei-lhe a mão. E a ela abracei-a. E a ele ouvio-o cantar de lágrima ao peito.
Éramos a família dos tempos passados, das oportunidades singelas.
Naquele acorde, eu fui feliz. Depois passou...mas fui menina. Fui a menina de outrora.


Também eu sou poeta.
Obrigada Luís. Obrigada Florbela.



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dize-lo cantando a toda a gente!



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